O vento, infelizmente, mudou — e continua mudando — de direção
Sempre vejo as pessoas comentando sobre o que estavam fazendo no dia 11 de setembro de 2001 quando as torres mais elevadas do planeta naquela época se apresentavam na paisagem de Nova York como duas tochas queimando no horizonte. É interessante que quando me fazem essa pergunta eu respondo o seguinte: “assistindo Dragon Ball na TV” — embora não estivesse, tenho toda a certeza (até porque não estava sendo transmitido no instante).
Para mim, o 11 de setembro marca até hoje. Para outras pessoas ao redor do mundo também — principalmente para algumas pessoas no Oriente Médio — . Para os personagens centrais que compõem a obra, esse episódio refletiu de forma mais intensa e complexa — e passaram anos refletindo (se formos mais profundo, continua refletindo na vida de milhões de pessoas, principalmente na região do Oriente Médio).
As diversas convergências e divergências que se desencadearam em muitos lugares do mundo transformaram de vez as relações políticas, sociais, econômicas, religiosas, étnicas e geopolíticas. Se as disputas de poder já eram intensas, se aprofundaram ainda mais.
Para escrever esse trabalho excepcional, Simone Duarte diz que ao longo de dois anos e meio entrevistou, acompanhou e reconstituiu
“… a vida de Ahmer, um rapaz treinado para ser um menino-bomba; do jornalista Baker Atyani, escolhido por Osama bin Laden para anunciar um grande atentado; do general Ehsan Ul-Haq, ex-espião-chefe do equivalente à CIA paquistanesa; da poeta iraquiana Faleeha Hassan, obrigada a viver no país invasor; de Gawhar, uma afegã que fugiu da ocupação militar americana rumo à Europa; da jovem iraquiana Gena, que fugiu para a Síria, onde cairia em outro conflito sangrento; e de Rafi, um afegão que atravessou oito países para escapar do Talibã.” (p. 12, 13)
Todas essas pessoas foram vítimas de um dos momentos históricos mais difíceis de se apagar! Seres humanos que sofreram por causa de outros seres humanos; da sua própria espécie. E contam, através de seus relatos, como eram e como ficaram os lugares que a eles pertencem. Para tanto, Simone Duarte, em uma narrativa não-linear, alterna entre décadas diferentes que precisam ser analisadas com cuidado para entender toda a sua complexidade — acho que a autora apresentou essa estrutura justamente para refletir esse momento embaralhado.
É um livro muito bem escrito, com palavras e frases colocadas nos lugares e formas corretos. Sem dúvidas, um livro para quem quer se aprofundar nas questões que resultaram após os atentados. Ou melhor, um livro para todos! E assim como escreveu o jornalista Marcos Uchoa:
“Esse é um livro que mudará sua maneira de ver um assunto. Simone Duarte teve a sensibilidade de uma neurocirurgiã jornalística para extrair delicadamente memórias que ainda são traumas, lembranças em carne viva, de pessoas ao mesmo tempo extraordinárias e normais.”